terça-feira, 7 de maio de 2019

#003 - O Melhor da Disney - Carl Barks: A Revolução nas HQs Disney do Brasil


2004. Nos Estados Unidos, a coleção Carl Barks Library em capa dura estava quase completando 20 anos de seu lançamento, e aqui no lado sul da América, nós precisávamos nos contentar com as histórias do velho mestre de maneira avulsa nos formatinhos mensais, ou eventualmente nas edições especiais. Aliás, vamos por partes: O costume de dar os créditos para os criadores da história ainda era algo recente, introduzido em junho de 2003 (coincidentemente o mês em que foi cancelada Donald Super na sua segunda edição, e o mês que foi lançada Mickey X, ambas revistas que mostravam os bastidores do processo editorial e tiveram o mesmo destino). Ou seja, antes disso, os leitores apenas tinham uma ideia de quem eram os criadores com base no estilo de desenho e escrita, e somente os mais renomados artistas como Carl Barks e Don Rosa esporadicamente eram homenageados com alguns textos. Ironicamente, as revistas de heróis da Editora Abril já tinham os créditos décadas atrás, mas Disney é apenas para crianças e não precisa disso, certo? Ehehe

Outros elementos interessantes a se apontar do contexto em 2004: o Novo Disney Especial foi cancelado, o Almanaque Disney estava dando seus últimos suspiros, foram lançadas novas mensais de 1 real com 16 páginas, enquanto as mensais tradicionais estavam com poucas páginas, e Tio Patinhas, embora ostentasse ainda as 130 páginas, havia sido "rebaixada" para lombada canoa (grampeada). Lendas urbanas dizem que essa foi uma época difícil para a Abril e que a tiragem foi reduzida, isso explicaria o motivo de tais edições serem mais escassas hoje em dia, e talvez as histórias de Don Rosa tenham feito com que os colecionadores não quisessem vendê-las. Mas não foram apenas trevas, havia uma luz no fim do túnel: o lançamento de O Melhor da Disney - As Obras Completas de Carl Barks.

Essa foi a obra que consolidou o formato americano (em torno de 17 cm de largura x 26 cm de altura) e criou um novo padrão de "luxo" nos quadrinhos Disney aqui. Capas cartonadas ilustradas com pinturas a óleo, caixa colecionadora para guardar, textos explicativos sobre cada história e seu contexto nos EUA, trechos de biografias e depoimentos de leitores (algo parecido com o que estamos fazendo agora). E não é para menos, pois Barks é considerado o maior quadrinista Disney de todos os tempos, responsável pela criação de inúmeros personagens e por revolucionar aqueles que já existiam, dando a eles elementos de personalidade que os tornaram quase humanos.

Os comentários de Marcelo Alencar merecem uma atenção especial: Foi através deles que ficamos sabendo de muitos detalhes cotidianos do grande artista. Dois casamentos acabados, até que a terceira mulher, Margareth Williams (ou Garé), lhe dava a paz que ele precisava para ser criativo, e até lhe auxiliava com preenchendo com nanquim. Barks carregava a experiência de sete anos nos estúdios de animação Disney, buscava inspiração e conteúdo em National Geographic e Enciclopédia Britânica (além da sua juventude no interior), trocava cartas e recebia elogios de poucos fãs que sabiam sua identidade, era sistemático e meticuloso com o ritmo e a qualidade de seu trabalho, e prezava pelo quase anonimato que lhe dava mais sossego. Mas mesmo isolado, ainda tinha stress na relação com os editores que o censuravam, com pais politicamente corretos reclamando das histórias, e com outros contratempos. Especulamos que o stress tenha sido uma das causas das épocas de pouca criatividade, nas quais ele reciclava histórias, alterando alguns elementos, pelo menos para ter algo para entregar aos editores dentro do prazo. Por falar em tempo, é interessante também analisar o contexto diferente em que o artista estava nas décadas que produziu as histórias, sendo influenciado por alguns eventos.

Neste sentido, complementa o leitor Mauro Lourenço: "Os criadores das HQs de 1940 a 1970 realmente tinham um diferencial. O período após a 2ª guerra trouxe muita inspiração para HQ, cinema, teatro e TV. Muitos personagens da Disney, DC, Marvel, etc ganharam força nessa época, pois assuntos é que não faltavam. Depois a mesmície aos poucos foi tomando conta. Carl Barks foi o principal ilustrador e criador de vários personagens das HQs Disney. Se não fosse ele o Donald não teria tomado as atenções que antes eram voltadas para o Mickey."

Por inúmeros motivos, esta é uma coleção digna de ser lembrada, mas para fazê-lo com todos os detalhes seria necessário um livro. Nossa modesta iniciativa vai fazer breves observações sobre algumas das histórias marcantes presentes nestes 41 volumes, sendo impossível listar todas aqui. E você ainda pode deixar a sua contribuição comentando sobre alguma história que faltou na lista. Escreve aí!

A primeira fase, com os 4 primeiros volumes e a caixa colecionadora azul clara, trouxe histórias publicadas entre 1954 e 1959, na revista Walt Disney's Comics and Stories, protagonizadas pelo Donald. É válido apontar que a coleção OMD não seguiu ordem cronológica, agrupou fases e épocas específicas de cada coleção original nos EUA. Assim ou assado, agora já está feito, e só nos resta comentar.

Posteriormente, vieram mais 4 volumes e a caixa vermelha, agora com foco no Tio Patinhas (eventualmente inserindo histórias do Prof Pardal no meio), de Uncle Scrooge entre 1952 e 1957. Embora o sovina já tivesse sido coadjuvante das histórias protagonizadas pelo Donald, aqui ele teve a atenção dos holofotes, com a sua própria revista, suas grandes aventuras, revelações sobre seu passado e seus ancestrais, a consolidação de sua personalidade, entre outros elementos marcantes. Destaque para "Em Busca do Ouro", que mostra seu passado cavando ouro no Klondike, sua paixão da juventude e todas as encrencas que vieram junto com ela! Outra trama memorável é "A Fabulosa Pedra Filosofal", que traz diversas referências históricas, inúmeros enigmas, e que daria também origem a continuações incríveis. Em "Qual o Mais Rico do Mundo?" surge uma das poucas figuras que faria rivalidade à altura ao Tio Patinhas: Mac Mônei, que também tem sua Caixa-Forte, na África do Sul.

3ª fase: as memoráveis histórias que estão entre as primeiras longas feitas por Barks, como "O Tesouro do Pirata" que ele desenhou em parceria com Jack Hannah, "Natal nas Montanhas" que mostra a estreia do Tio Patinhas, "O Segredo do Castelo" e sua pesada bagagem histórica do passado do clã Mac Patinhas, "Perdidos nos Andes" que apresenta Quadradópolis, entre muitas outras. Particularmente, eu (Rafael Barzotto) considero esta a fase que reuniu as joias mais preciosas e brilhantes deste tesouro (várias delas inspirariam sequências de Don Rosa posteriormente), sem desmerecer o restante, claro. Estas belezinhas saíram na série americana Four Color de 1942 a 1950, e a caixa colecionadora é verde escura.

Consolidando o ritmo intercalado de personagens, Tio Patinhas e Prof Pardal voltam na quarta fase, com história de Uncle Scrooge de 1958 a 1963, e a caixa é nesta tonalidade que lembra um amarelo escurecido. Nos bastidores, traz apontamentos sobre um debate político de grandes proporções que surgiu ao redor da família pato. Nas histórias, destaque para "O Rio de Ouro" com fortes princípios morais, "A Lua de Vinte e Quatro Quilates" ilustrando a época de Guerra Fria e o Tio Patinhas fazendo 'a maior barganha da história'. Ainda no primeiro volume a lenda secular "O Holandês Voador" é explorada com maestria pelo artista, com direito inclusive a uma explicação científica plausível. "O Grande Operador" é uma fantástica aventura que nos permite fazer trocadilhos, já que o 'grande' Tio Patinhas não é tão poderoso que não precise da ajuda de seus 'pequenos' sobrinhos trigêmeos. "O Mistério de Valíala" tinha potencial para ser uma história ainda melhor, com suas referências mitológicas, não fossem as duas páginas que os editores mutilaram pra colocar propagandas no lugar, causando danos irreparáveis ao roteiro e simplesmente descartando um grandioso painel de meia página. Surge a Maga Patalógika na história "O Toque de Midas", mostrando que bruxas também podem ter um ar de divas sedutoras. Bônus: nestas histórias, a Dona Cotinha também é chamada pelo nome pela primeira vez.

O volume 17 chega às bancas trazendo novamente Donald nos holofotes, com direito a uma participação especial no fim deste grupo: "Pluto Salva o Navio". Mais uma caixa vermelha (a única cor que repete) agora representando Walt Disney's Comics and Stories de 1943 a 1948. Desta vez, são as primeiras histórias curtas feitas pelo mestre, sendo que a primeira veio com roteiro da editora, aprimorado pelo artista. Gostaram tanto das mudanças feitas que deram liberdade pra ele mesmo escrever o próximo roteiro, e o resultado é sensacional: "A Pata de Lebre", que começa a mostrar como Barks aprofundou a personalidade do Donald. O vizinho briguento Silva dá as caras pela primeira vez em "Piloto Sem Querer", embora sua aparência ainda não fosse definitiva. "Os Três Patinhos Sujos" é a primeira vez em que aparece o são-bernardo Bolívar, e também a primeira vez que Donald toma uma postura de adulto ao enfrentar os sobrinhos. Muito antes de Iuri Gagarin e Neil Armstrong, nosso pato já sabia que a Terra era azul, já tinha ido pro espaço e circundado a lua a bordo de um foguete movido a um combustível que ele mesmo inventou, a patomite, sendo digno do título "Químico Maluco". De forma modesta, a cidade de Patópolis ganha seu nome, numa tabuleta de canto. O primo chato estreia em "A Visita do Primo Gastão", e embora ainda não fosse abençoado pela sorte que o consagrou, já mostra que veio para ficar e incomodar. Enriquecendo mais esta fase, vem a filmografia de Barks, com breves textos sobre os desenhos animados em que ele trabalhou como argumentista.



A sexta fase volta com Tio Patinhas e Prof Pardal na caixa colecionadora rosa, originalmente publicados em Uncle Scrooge de 1963 a 1967. Clássicos com mais páginas como "A Coroa dos Maias", "O Ouro dos Lunáticos", "O Elefante de Tromba Quadrada", "Quero que Vá Tudo pro Inferno" (que foi nomeada assim porque na época da primeira publicação nacional, o Roberto Carlos estava estourando de tocar), "A Rainha dos Cães Selvagens", e muitas outras. As exceções de outras épocas são: "Vão Devagar, Areias do Tempo" (baseada na trama de barks e recriada por Tom Anderson e Vicar) e "Cavalgando pela História" (desenhada por Willian Van Horn).




A vigésima quinta edição traz a caixa verde-azulada e inicia uma fase do Donald apresentando novidades. Os sobrinhos se tornam escoteiros mirins e tentam tornar o Bolívar sua mascote, mas "E Quem Salva o São-Bernardo?". Em uma época em que o Tio Patinhas ainda não era um personagem consolidado, ele podia perder sua fortuna numa história e voltar com tudo na próxima, como se nada tivesse acontecido. Numa dessas, surge a quadrilha de beagles dos Metralhas, em "O Vil Metal e os Vilões". Eles retornariam em breve, ajudando a mostrar pela primeira vez a Caixa Forte em "O Dinheiro que Virou Picolé". O heroico fundador de Patópolis é apresentado na história "O Mais Rico do Mundo", numa disputa de estátuas gigantes. Enquanto Donald e sobrinhos tentam descobrir o segredo do Gastão em "A Sorte É pra Quem Tem", o Prof Pardal aparece de fininho e tem seu début. As coadjuvantes sobrinhas da Margarida (Lalá, Lelé e Lili) surgem como uma surpresa para o Donald em "Cara ou Coroa", enquanto um olhar mais atento percebe o gradual amadurecimento dos sobrinhos do Donald enquanto se tornam Escoteiros Mirins, algo inspirado na infância que o artista gostaria de ter vivenciado. Tudo isso entre 1948 e 1954 em Walt Disney's Comics and Stories, uma das épocas mais criativas do velho mestre. Encerrando a fase, vem o livro ilustrado "O Rei da Limonada".



A caixa azul marinho inicia a fase seguinte, e os volumes trazem histórias mais longas de publicações e períodos diversos, além de esboços e ideias dele que foram consolidadas pelas mãos de outros artistas, como Tony Strobl e Daan Jippes. Temas polêmicos são abordados em "O Agente Secreto", usando figurantes humanos, uma abordagem ousada e que contrariava os editores. Remetendo à infância do artista, "Na Velha Califórnia" traz elementos reais, como as paisagens e a reserva indígena, ilustrando a paixão pelo Velho Oeste. Aliás, já imaginaram o que seria se Barks virasse um quadrinista de algo como Tex? "O Lobisomem do Ártico" foi fruto de uma ideia de um fã e deveria ter muitos elementos de terror, assim como a criatura deveria ser mais assustadora, se não fosse a editora impondo censuras e proibições. O clima é acalmado em "O Trenzinho da Alegria", uma das mais memoráveis histórias de Natal já escritas, indo além do clichê e entrando em questões filosóficas e sociais. A trama de "O Capacete de Ouro" beira o épico com suas teorias da conspiração, abordando brechas históricas. Pela primeira vez no Brasil sem censuras, "A Noite das Bruxas" é uma versão estendida e aprimorada de um sensacional desenho animado. "Aventura no Vale Proibido" reforça a maestria do criador ao lidar com temas selvagens com um toque fantástico. A propósito, o mestre foi hábil em todos os temas que se propôs a encarar, "Aventura em Nada de Nada" mostra que, embora as chuteiras já estivessem penduradas há décadas, aos 96 anos Barks ainda sabia dar pontapés.



Já preparando o palco para o Gran Finale, o volume 33 traz uma caixa marrom e inicia a fase das últimas histórias curtas do artista antes de sua aposentadoria, publicadas em Walt Disney's Comics and Stories ente 1959 e 1966. Várias delas têm implícitas observações sobre o contexto político da época, algo bem pontuado pelos textos informativos. As ocasiões em que Donald se mostra desenvolver algum ofício com perfeição também são inúmeras, uma das mais famosas é "Barbeiragens", com o pato fazendo milagres no couro cabeludo dos fregueses, e nem precisa dizer que o tempo está contado até algo dar muito errado. Na história "Gasolina Superzum" surge o Patacôncio, um dos maiores rivais do Tio Patinhas, mas Barks preferia usar o Mac Mônei, e foram os artistas italianos que resgataram Patacôncio do Limbo. As cerejas do bolo ficaram para o final: "O Leiteiro" foi arquivada pela editora americana na época porque foi considerada 'violenta demais', mesmo destino que teve "Noite Feliz" (os editores não queriam ver o Natal relacionado às brigas que Barks mostrou), esta segunda que era inédita até então no Brasil, e precisou ser parcialmente restaurada, pois alguns originais haviam se perdido.



E por último, mas longe de ser menos importante, a caixa preta, excepcionalmente para 5 volumes, trazendo coisas exóticas: histórias raras do Donald da década de 40, participações especiais de personagens não convencionais! "O Caso do Chapéu Vermelho" é a única história do Mickey que Barks desenhou, e o fez muito bem, como sempre. "Os Tigres Reais" é uma grandiosa trama, é irônico pensar que ela foi veiculada numa revista que era distribuída gratuitamente nos EUA (cujo valor hoje chega aos 4 dígitos, em dólares). "A Fantástica Corrida de Barcos" conta um hilário episódio da juventude do Patinhas. Mais um livro ilustrado enriquece a galeria de trabalhos: "O Natal do Tio Patinhas". Um fato curioso: A história "Ratos, Sigam-me" foi começada e abandonada por Barks, mas terminada por Don Rosa 30 anos depois. E embora o velho mestre nunca tenha simpatizado muito com a Margarida, desenhou uma série de histórias em formato de diário da patinha, tendo recebido o roteiro já pronto. Em "Espantalho de Carne e Osso", coadjuvantes incomuns ganham espaço: Lobão, Dumbo e João Honesto. Destaque também para histórias onde a Vovó Donalda tem uma participação essencial, e todas as aventuras dos Escoteiros Mirins que Barks criou na década de 70. Inclusive, em "Deixe em Paz os Velhos Ossos", a menção a 'ervas alucinógenas' fez com que os editores brasileiros mudassem o roteiro na década de 70, inserindo a Madame Min, pra não sugerir drogas ilícitas. 

Esta coleção foi tão bem aceita que, no mesmo ano de início, o especial Pato Donald 70 Anos saiu no mesmo formato e acabamento, e ainda estimulou outra série: Mestres Disney, onde cada volume homenageava um grande artista, é uma pena que tenha acabado prematuramente. Mas isso é assunto pra outro texto.

Embora seja um tema feliz, o experiente André Aurnheimer lembra com pesar: "Infelizmente, vendi a minha coleção de Barks, hoje tenho os números 1 a 29 e outros acima dessa numeração, não tenho mais as caixinhas. O conteúdo dessas edições, os desenhos, o argumento, a feitura de cada gibi, a estética, tudo muito mágico, essas edições para mim, são verdadeiros tesouros. Houve uma tentativa da Abril de lançar em capa dura as histórias de Barks, infelizmente, não saíram todas as edições, já que a editora cancelou o contrato com a Disney. Não sabemos se alguma outra editora ou a Culturama voltará a publicar esse material, mas mesmo que publiquem, as edições das obras completas feita pela Abril vai deixar muita saudade."

O colecionador Allan Zubiate complementa com a sua experiência: "Se a coleção é de 2004 eu só comecei a colecioná-la em 2009, juntando tudo no fim do mundo comprando (quase todos) os volumes pela internet, com apenas uma pequena baixa recente de um único volume que apesar de possuí-lo pretendo substituir tal. Ainda a guardo na gaveta mas logo deve chegar o dia de ostentá-la numa estante (resistente!) É realmente uma coleção de peso, é tanta tanta história boa."

E você? Qual a sua lembrança dessa coleção fantástica?

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Texto idealizado por Rafael J. Barzotto e escrito com o apoio de André Aurnheimer e Allan Zubiate.
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sexta-feira, 29 de março de 2019

#002 - Propagandas Antigas nas Revistas


Quem é que nunca se sentiu nostálgico olhando uma propaganda antiga em alguma revista? Pra começar, uma das mais presentes e memoráveis: o Instituto Universal Brasileiro. Pra quem é jovem, cabe uma explicação: Nos tempos jurássicos (rs), antes da internet, as pessoas trocavam cartas, e o IUB, fundado em 1941, oferecia já naquela época cursos profissionalizantes por correspondência, nos primórdios da EaD. Por décadas a propaganda do IUB esteve nas revistas Disney, inclusive com conteúdo patrocinado: No meio da revista, você virava a página e começava uma história em quadrinhos com personagens humanos, e no final era revelado o seu propósito de divulgar os cursos profissionalizantes. Muitos outros produtos usaram a mesma ideia, de infiltrar o marketing com os quadrinhos.


As propagandas de bebidas foram muitas. Se você gosta de achocolatado, já da década de 60 as propagandas de Nescau nos acompanhavam. Que tal refrescar suas ideias com um Guaraná Brahma, diretamente dos anos 80?


Teve comida suficiente pra acabar com a saúde de quem não praticasse esportes. Da Nestlé (além dos bombons) foram os caramelos de leite, os Frutips (caramelos de frutas), Biscoitos São Luiz, entre outros. Os wafers Recreio Tostines fizeram a alegria de muitas crianças ao abrirem suas lancheiras. O Iogurte Chambourcy talvez seja lembrado por causa dos Wuzzles, principalmente pra quem teve a oportunidade de brincar com o Teatrinho de Natal. Os chicletes Ploc de sabores misturados instigaram a curiosidade de muita gente: HortelUva, TuttiLanja, MoranCaxi. Outra surpresa de mascar era o chiclete Dinovo, em formato de "ovo de dinossauro" e sabores sortidos. Que tal terminar o seu Picolé Yopa e encontrar um vale brinde no palito? Ou você preferia os Picolés Frutilly com seus palitos coloridos e montáveis? Quantas vezes você lambuzou seus dedos com a mistura de chocolates de Io-Iô Crem? Ah, impossível esquecer os chocolates Lacta com personagens Disney.











Obviamente, não podiam faltar brinquedos. Da década de 70, impossível esquecer da Gulliver e seu Forte Apache, Futebol de Botão, Zoológico, Fazenda, África e similares. E saibam que, muito antes dos Hotwheels, as miniaturas Matchbox já estavam nas mãos da garotada. A Estrela então nem precisa ser muito lembrada, e podemos ir muito além das bonecas. Trenzinhos e autoramas foram o sonho de consumo antes dos videogames. Antes do cinema nas telonas ser uma realidade para (quase) todas as classes e localidades, o cineminha na parede de casa (ou dentro da caixinha) já servia como tira-gosto. As réguas, discos e engrenagens de Espirograf permitiam fazer desenhos incríveis e simétricos. Em 1980 o boneco Falcon se tornou símbolo de força, agilidade e coragem, enfrentando inimigos perigosos. Neste mesmo estilo guerreiro logo vieram também os Comandos em Ação, que não ficaram para trás. E o saudoso Lig-4 foi uma espécie de "jogo da velha" com pedras vermelhas e pretas (ou amarelas e azuis). E pra não deixar as meninas de fora, as mini Bonecas Fofolete com cama em estilo caixinha de fósforo também foram moda durante algum tempo.










A revista Recreio e seus brindes também ganhou espaço, inclusive seu lançamento da década de 70 foi divulgado nos quadrinhos. Mas somente nos anos 2000 sua popularidade decolou com as coleções: Letronix, Numerix, Megaletronix, Rock Animal, Dinomania, Robits, Circomix, Missão Totem, Cyberbots... Esqueci alguma?





As propagandas também informavam sobre o lançamento dos filmes Disney no cinema e em VHS / DVD: Mogli, Fantasia, Dumbo, Alladin, Rei Leão, Corcunda de Notre Dame, Hércules, Tarzan, Vida de Inseto, Toy Story, Mulan, Pequena Sereia, A Espada Era a Lei, Uma Cilada para Roger Rabbit, Procurando Nemo, Monstros S.A., Nem que a Vaca Tussa, Três Mosqueteiros, Os Incríveis, O Galinho, Carros, High School Musical, Crônicas de Nárnia, Ratatouille, Wall-E, Carros, Enrolados, e muitos outros.


Tenho certeza que os pais de antigamente tiveram que dizer "não" muitas vezes quando seus filhos pediam tudo isso. Por outro lado, talvez eles se interessassem pelos Tênis Iris, recomendados para a prática de esportes, mas provavelmente também foram muito usados nas discotecas que estavam em alta na época. Claro, também tinha artigos escolares: As Canetinhas Playcolor foram muito populares (correm boatos por aí de que também eram usadas pra rabiscar as paredes de casa, nada confirmado). A Paper Mate também tentou "revolucionar": A Caneta Borracha seria o "novo ciclo da borracha", mas não se consolidou tanto assim. E se era pra ver seus filhos escovando os dentes direitinho, por que não comprar um Creme Dental da Mônica? Opa, teve também o Estojo da Mônica, com sabonete, shampoo e talco. Depois do banho, vinham as toalhas desenhadas da Karsten, que fazia também roupa de cama com os personagens Disney. Se você comesse todos os legumes e verduras, podia ganhar talheres Disney Berle, e se não comesse, tinha que tomar Biotônico Fontoura. E quando a criança arteira se machucava, podia ganhar um curativo feito com Band-Aid Disney.










E você? Já encheu o saco dos seus familiares alguma vez pedindo alguma coisa que viu nas propagandas dos gibis? Ou você era o adulto que precisava atender aos pedidos?

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Texto idealizado por Rafael J. Barzotto e escrito com o apoio de José Sérgio Scalcon e Mariane Schibichewski.
Edição de Imagem: Rafael J. Barzotto com agradecimentos aos blogs Propaganda de Gibi e Propagandas Históricas, que disponibilizaram boa parte das imagens do post, evitando a necessidade de digitalizar novamente.

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quinta-feira, 7 de março de 2019

#001 - Porque os leitores se sentiram "órfãos" na ausência das HQs Disney nas bancas, quando há publicações antigas suficientes pra ler pelo resto da vida?


Porque os leitores se sentiram "órfãos" na ausência das HQs Disney nas bancas, quando há publicações antigas suficientes pra ler pelo resto da vida?

Décadas de 1930 e 40: as histórias Disney foram aos poucos sendo introduzidas nas páginas de séries como Suplemento Juvenil (Grande Consórcio Suplementos Nacionais), Gibi (Globo), Guri (O Cruzeiro) e Seleções Coloridas (Ebal). Claro que tais edições são raríssimas e acessíveis apenas a alguns colecionadore$, mas são citadas como marco inicial. Já em 50, a Editora Abril tomou a frente, aumentando gradualmente a lista de títulos e sendo responsável por quase todas as revistas com o selo Disney desde então.

Tem quadrinho pra todo gosto: de humor à ação, de aventura ou temas cotidianos; de um só personagem ou mix com vários; com histórias inéditas ou republicações; de 16 páginas a 500 (Jumbo) ou 800 (Mega); formatos simples / baratos ou luxuosos / caros; até mesmo os coadjuvantes ganharam suas próprias séries, como Peninha, Pateta, Prof. Pardal, Margarida, entre outros. Foram mais de 9000 revistas, e agora sim, estamos falando em materiais acessíveis, que podem ser encontrados em sebos ou na internet, sem precisar vender nenhum órgão pra conseguir pagar.

Em 2018 a Ed. Abril deixou de publicar os quadrinhos Disney, e logo fez-se um alvoroço: em parte pelas coleções luxuosas inacabadas, em parte pela sensação de "estamos órfãos", e por outros motivos. Aquelas mais de 9000 revistas não desapareceram por mágica, acredita-se que elas ainda estejam esquecidas em caixas e armários, nos sebos, nos estoques dos vendedores online, e talvez até perdidas na bagunça de alguns colecionadores. Mas nem todos os leitores estão dispostos a comprá-las, e vamos investigar por quê.

O colecionador Rafael Barzotto opina: "Não me preocupo se foi publicado ontem ou há 60 anos, a leitura é sempre bem vinda, até porque o universo Disney é atemporal: O Tio Patinhas está eternamente na terceira idade, o Donald ainda tem energia de sobra pra tentar novos empregos, e seus sobrinhos continuam sendo escoteiros mirins".

E quais motivos são decisivos no momento da compra para outros colecionadores? Cheirinho de novo? Logística? Formato e acabamento? Desejo de completismo pelas séries? Tendência?

Quando as publicações foram interrompidas, houve o desejo natural de continuidade, pois vivemos sempre desejando mais daquilo que nos agrada, como aponta o colecionador Allan Zubiate. Ele lembra também da alegria de procurar e encontrar as edições faltantes em diferentes bancas, até conhecer a internet e rever títulos antigos que pensava estarem perdidos.

De acordo com Lucila Saidenberg: "Em parte, há a questão da praticidade e a cultura dos 'descartáveis': a maioria das pessoas, aquelas que não colecionam mas ainda gostam de ler, compram quadrinhos por costume ou por impulso. Para isso, é preciso que as revistas estejam em lugares facilmente acessíveis, ou seja, bancas pelas quais elas passam todos os dias a caminho de algum lugar, ao lado dos caixas dos supermercados, e em outras lojas de produtos populares. Essas pessoas não 'vão atrás'. Elas nem lembram que as revistas existem, a não ser que estejam bem à vista quando vão às compras, e não têm o costume de procurar revistas antigas em sebos. Para elas, uma revista em quadrinhos é como uma garrafa de água mineral, ou como o jornal do dia: são usadas uma vez ou duas e descartadas depois. (E quem é que compra, em um sebo, o jornal de 20 anos atrás?) Quando muito, é possível persuadir essas pessoas a fazer uma assinatura, por praticidade, ou para pacificar as crianças da família. Os colecionadores, os que vão a sebos e compram revistas antigas online, são outro tipo de pessoa. São fãs, são aficionados, se sentem 'órfãos', procuram ativamente o sistema de assinaturas para não perder nada, etc. Mas são uma minoria."

O desenhista Disney Gustavo Machado concorda com a Lucila Saidenberg e complementa: "Foi essa imensa legião de fãs ocasionais de gibis e os leitores de tiras de jornais - onde tudo começou - que mantiveram a indústria dos quadrinhos por décadas. Os personagens e suas HQs eram concebidos para agradar o grande público, para fazer sucesso e vender muito. Sou cria desse modelo de quadrinhos, tanto como leitor quanto como profissional, quando, mesmo o trabalho mais autoral, visava o sucesso em grande escala, para que a publicação pudesse continuar sendo editada. Ao saber que as revistas Disney acabaram, os leitores ocasionais brasileiros de hoje devem ter se ressentido muito mais pela memória afetiva, pois grande parte nem mantinha mais o hábito de comprar nas bancas - vide as tiragens baixíssimas. Já os colecionadores, sentem a falta de novidades, dos álbuns de luxo que viraram mania e objetos de desejo. Como desenhista de quadrinhos de linha/comercial, sou suspeitíssimo para opinar, pois sinto mais falta da massa de leitores ocasionais do que de quaisquer outros, pois eram eles que definiam o sucesso ou fracasso das revistas em quadrinhos, criando e mantendo o mercado de trabalho para nós. Esse público que consome e descarta HQs ainda existe em grande número nos EUA, Europa e Japão. Pessoalmente, considero que a Disney no Brasil começou a acabar no início do século 21, quando foi suspensa a produção nacional. Foi uma tragédia anunciada com morte lenta. Arrisco dizer que, grande parte das gerações de leitores Disney no Brasil foi formada, curtindo especialmente os roteiros e desenhos produzidos aqui, principalmente a partir da década de 1970. Há 20 anos que não se forma uma geração de leitores Disney com material nacional inédito, sempre mais sintonizado com os nosso humor e costumes, então, gibi Disney se tornou algo apenas cult no Brasil. [...] Falo por experiência própria: sempre que sabem que desenho Disney, o comentário é: 'Nossa, como eu gostava de ler Zé Carioca, Peninha e Urtigão!', ou seja, o material nacional."

O artista independente Lucas Libanio também acredita no potencial da arte brasileira: "A gente tinha um jeito próprio de fazer humor e esse estilo faz falta nas publicações, reeditar histórias antigas não é ruim mas tem apelo limitado."

Arisclenio Antunes dá a sua versão: "Fui praticamente alfabetizado lendo HQs quando encontrei uma caixa de gibis no meio da bagunça da casa da minha falecida avó, viva na época, que continha diversos títulos, entre eles Luluzinha, Bolinha, Fantasma, Mandrake e diversos outros títulos, menos, pelo que eu me lembro, Disney. Havia uma feira livre às quintas perto de casa e à medida que eu ia lendo os gibis, ia trocando por outros a 2 por 1 e a minha preferência passou a ser Almanaques Disney e Disney Especial, pela variedade de histórias divertidas e por serem os volumes com mais páginas. [...] Então quando surgiu o Manual do Escoteiro Mirim, eu logo pedi às minhas tias para comprar, pois ele me tornaria um 'escoteiro' amigo de Huguinho, Zezinho e Luizinho na minha imaginação infantil. [...] Ganhei também 'Os 4 Mundos Encantados de Walt Disney', que me levaram a um outro patamar de conhecimentos deste universo tão vasto. E assim me tornei não um colecionador, mas um leitor voraz que continua lendo Disney desde a infância. Não me senti órfão exatamente por este motivo: nunca me prendi às coleções, mas costumava colecionar alguns títulos e mantê-los até ler e reler inúmeras vezes as mesmas histórias e depois por necessidade de grana ou falta de espaço, dispensá-las no sebo."

Arisclenio acrescenta ainda: "Durante o período da produção nacional, eu sempre comprava gibis Disney, especialmente os do Peninha e Morcego Vermelho por serem muito engraçadas as histórias. Gostava muito também de A Patada, Zé Carioca e Urtigão. Nosso senso de humor escrachado é o que há de melhor nos quadrinhos. Não consigo rir das piadas dos italianos, com raras exceções. Talvez o humor que mais se aproxima do nosso seja o americano e o holandês. [...] No quesito aventuras também os americanos são os melhores, com histórias mais bem estruturadas e contagiantes e um traço mais caprichado. Eu penso que se a Culturama quiser formar novos leitores, ela tem que se estruturar para retomar a produção nacional [...]. O apelo das mídias sociais, games e TV por assinatura afasta potenciais leitores que já pagam para se divertir em outras mídias."

O escritor Renato A. Azevedo recomenda: "Sem dúvida há muitas histórias já publicadas no Brasil que valem a leitura e releitura, sempre. [...] Mas também se pode destacar que há muito material inédito saindo lá fora que, mesmo que possa eventualmente ser achado como arquivo digital, sempre é incomparavelmente melhor ser lido em papel e em nosso idioma. Dos exemplos recentes que gostaria de mencionar temos Donald Quest, as ainda inéditas de Donald Duplo, e as três histórias ainda inéditas no Brasil de Fantomius, produzidas por Marco Gervasio."

Rodrigo Pato comparou com um exemplo de fora, parafraseando o diretor Eduardo Miranda da Rede Manchete de Televisão: "Fã não dá lucro!" Exemplificou que o anime Yu Yu Hakusho tinha uma audiência considerável, mas os anunciantes mandaram tirá-lo do ar, pois não estava dando retorno financeiro para os patrocinadores, e o CD da trilha sonora nacional nem foi lançado. Por mais que tenham colecionadores aficionados e fieis aos quadrinhos, se a grande massa não se sentir atingida, não vai dar lucro, e vivemos numa época em que bancas estão em extinção. "No Japão mesmo, o mercado de mangás virtuais está crescendo vertiginosamente, batendo de frente com os mangás físicos."

Claudio Juris explica que "o sentimento de 'ficar órfão' diz muito mais a respeito a todo o material ainda inédito em terras Brasilis... Não só do material antigo [...], mas principalmente das novas aventuras que vem sendo lançadas naqueles países ainda produtores de conteúdo, com Itália, Dinamarca e Holanda." Como exemplo, histórias holandesas de 2017 mostram a misteriosa Dumbela, e apenas parte delas chegou ao Brasil.

O experiente leitor Divictor Souza, por outro lado, relembra dos "anos 80 após a era de ouro, sucedida direto pela era de ferro nos quadrinhos, invadidos por carcamanos absolutamente intragáveis. Fiquei uns 20 e tantos anos sem comprar um mísero pato nas bancas, e apenas ao começar os 00, eu comecei a reler. Comprando os velhos gibis da minha infância, e escaneando para guardar a salvo dos cupins. [...] Li de "prima" peças dos anos 80/90/00 que eu tinha pulado na minha história. Com olhos mais atentos e espírito mais apurado, pude perceber que havia bastante coisa boa também nessas décadas."

Embora cada um veja de uma maneira diferente, uma coisa deve ser unânime: Estamos animados pra ver as publicações da Culturama, com as mensais iniciais e futuras edições especiais que possam vir, republicando histórias escassas nas publicações antigas, podendo até retomar a produção nacional. Sabe-se da crescente demanda por leitura digital, que é um nicho que pode ser aproveitado.

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Texto idealizado por Rafael J. Barzotto e escrito com o apoio de Allan Zubiate, Lucila Saidenberg, Gustavo Machado, Lucas Libanio, Arisclenio Antunes, Renato A. Azevedo, Rodrigo Pato, Claudio Juris e Divictor Souza.
Edição de Imagem: Rafael J. Barzotto, usando elementos desenhados por Roberto Fokue.

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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

#000 - Apresentação


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